Há 15 anos, o surfe levou André Barbieri aos Estados Unidos. O gaúcho trocou a cidade natal Lajeado, a 114 quilômetros da capital Porto Alegre, por Santa Barbara, município do estado da Califórnia, conhecido por ter algumas das melhores ondas do mundo. Também praticado em cima de uma prancha, mas na neve, o snowboard já era outra paixão, que não saiu do coração nem depois do grave acidente que teve em 2011, ao cair durante uma descida em Mammoth Mountain (também na Califórnia) e quebrar o fêmur da perna esquerda, que teve de ser amputada acima do joelho.

“Eu sabia que voltaria ao snowboard. Nunca tive trauma. Mas como quase morri, toda vez que voltava à neve era muita apreensão na família. Às vezes, para passar um fim de semana na neve, parecia que eu precisava sair escondido. Agora que sou pai entendo o susto. Mas é o esporte que quase me custou a vida, que me custou a perna acima do joelho [após quatro cirurgias em cinco dias] e para o qual voltei no maior nível competitivo possível”, recorda André à Agência Brasil.

O gaúcho ainda surfa (de joelhos, sem prótese), mas é o snowboard adaptado, que pratica desde 2018, que lhe deu novamente a liberdade de ficar de pé na prancha. Daqui a um mês ele representará o Brasil na Paralimpíada de Inverno de 2002 (Pequim) na modalidade, na classe LL1 (atletas com amputação acima do joelho). Ele é o único integrante da delegação que não é do esqui cross-country. Será a primeira experiência paralímpica do esquiador de 40 anos, que havia batido na trave na busca por vaga nos Jogos de 2016 (Rio de Janeiro) no triatlo.

André estará nas duas provas do snowboard. Uma é o banked slalom, na qual o atleta desce três vezes uma pista com gates (portões, na tradução do inglês, que devem ser contornadas na parte interna) e o melhor tempo indica o vencedor. Já no cross os competidores também encaram três descidas, em um percurso com diferentes saltos e obstáculos. A melhor marca determina as baterias do mata-mata, onde quem concluir o trajeto na frente avança à fase seguinte, até a definição dos medalhistas.

“O cross tem muitas variáveis, incluindo sorte. É a primeira vez na Paralimpíada que serão quatro atletas juntos [na bateria]. Já aconteceu de a galera se chocar e cair. Nisso, eu passo os caras e eles não me pegam mais. No cross há mais chances de a pessoa se dar bem. É como no futebol. Não é necessariamente o time que todo mundo acha mais forte que vai ganhar”, analisou o brasileiro, que ocupa o 17º lugar no ranking mundial do cross e o 21º no slalom.

Neste momento André está no Canadá para disputar uma etapa da Copa do Mundo da modalidade no resort Big White, em Kelowna, a partir de sexta-feira (11). Será a oportunidade de o gaúcho testar as pranchas recém-adquiridas que utilizará em Pequim, para onde vai após a competição e um período de treinos, fundamentais para adaptação ao novo equipamento.

“As pranchas normais são mais flexíveis. Se você comete um erro ela absorve e você provavelmente não cai. O bico é mais arredondado, então você entra em uma curva de diferentes maneiras. A prancha que eu vinha usando é mais rígida, mais para o lado de competição, mas as novas estão em outro patamar de rigidez. São várias camadas, incluindo titânio e fibra de carbono. Elas não permitem tanto erro. A técnica e o movimento têm de ser mais perfeitos. Treinar um mês inteiro com elas fará diferença. Acho que essas pranchas me ajudarão a chegar mais perto dos favoritos”, avaliou.

Na atual temporada de inverno, iniciada em novembro, André competiu nas etapas de Landgraaf (Holanda) e Pyha (Finlândia) da Copa do Mundo de snowboard. Em território holandês, o gaúcho obteve um 12º lugar e um 13º lugar no banked slalom, onde competiu pela primeira vez com o norte-americano Mike Schultz, campeão paralímpico, que criou as próteses utilizadas pela maioria dos esquiadores. Já nas montanhas finlandesas ele obteve uma 9ª e uma 10ª posição.

“A [pandemia da] covid-19 diminuiu geral as provas. Tenho a minha prótese de snowboard há três anos, mas, como só a utilizo na neve, ela tem pouco uso, uns 60 dias no máximo. Há várias coisas que estou testando ainda, mas me adapto rápido e estou em uma ascendente. Se houver 20 atletas [na prova], quero ficar entre os dez. Os caras têm duas Paralimpíadas, nove ou dez anos competindo, mas só o fato de eu ter quase morrido no snowboard e dez anos depois chegar a uma Paralimpíada é uma grande vitória. Qualquer coisa pode acontecer”, projetou o brasileiro.

“Sendo realista? A chance de medalha é baixa, mas quem está na chuva é para se molhar. Não quero me desmerecer por eles terem mais experiência. Levo isso até como vantagem, pois ninguém está focado em mim. Deixa assim, deixa quieto. Quem sabe eu possa fazer um barulho lá”, concluiu o esquiador.

As disputas do snowboard na Paralimpíada de Pequim começam no dia 6 de março, dois após a abertura. Nas últimas edições o Brasil foi representado por André Cintra. Nos Jogos de 2014 (Sochi) o paulista ficou em 28º no slalom. Quatro anos depois, em Pyeongcheng (Coreia do Sul), obteve a décima colocação.

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