Aos 95 anos, o maior cravista brasileiro Roberto de Regina fez sua despedida das apresentações dos palcos na abertura do projeto Música de Museu – 200 Anos da Independência, no teatro da Academia Brasileira de Letras (ABL), no centro do Rio de Janeiro.
O concerto, que reuniu 200 pessoas, começou com uma peça do organista, alaudista e compositor alemão Conrad Paumann, do início do Renascimento. O recital, na noite desta quinta-feira (1º), seguiu com músicas de Johann Sebastian Bach e de Domenico Scarlatti.
“Foi um acontecimento para mim, realmente. Eu desde jovenzinho tinha um sonho de tocar na Academia e por coincidência o empresário que marcou o concerto, era para a Academia. Fiquei muito feliz”, contou emocionado em entrevista à Agência Brasil.
O interesse pelo cravo ficou evidente na defesa que Roberto de Regina fez do seu instrumento, durante o recital: “quero libertar o cravo da pecha de coisa velha. Cada vez mais ele está sendo usado nos concertos”.
O carioca Roberto de Regina é médico e praticamente um autodidata na música, prefere se apresentar sem partituras. “Eu sou autodidata, nunca fiz curso de música. A partitura é um registro da peça para que ela fique para a posteridade. Quando a gente toca com partitura mesmo com todo o esforço, a gente está lendo notas. Mas quando a gente decora aí a gente vai atrás da música, então, nunca toco com partitura”, disse.
Seu envolvimento com a música barroca é tão grande que, na busca por maior proximidade com a música de Bach, da qual é um dos maiores especialistas brasileiros, chegou a construir o instrumento.
“A minha paixão mesmo é a música desse período barroco. O cravo apareceu 400 anos antes de inventarem o piano e neste espaço de tempo foi que nasceram os maiores gênios da música de todos os tempos, sem contar o nome de Bach, que foi o maior de todos, nasceu em 1685. Eu tocava um piano doméstico, mas ele não traduzia realmente a feição que essa música tem. Eu precisava de uma testemunha temporal que era o cravo. O período barroco foi o mais glorioso da história da música”.
O despertar para este sentimento foi na primeira vez em que pôde assistir a um concerto barroco. “Quando eu ouvi uma música em um concerto que me levaram, deu um estalo. Eu senti, realmente, um choque emocional e passei a me interessar e pesquisar. Hoje sou muito feliz em ter isso na minha vida”, conta referindo-se à cantata Nº 4 de Bach, a música que o impressionou: “Mudou minha vida”.
A despedida dos palcos, no entanto, não significa o afastamento total da música. Roberto de Regina vai continuar com recitais na Capela Magdalena, construída no seu sítio em Guaratiba, na zona oeste do Rio. Desde 1991, Roberto de Regina preserva o clima das apresentações com uma ambientação de época.
Foi também no sítio, que o cravista manteve uma oficina para construir o instrumento. Diante da fama internacional, os instrumentos produzidos artesanalmente são bastante disputados no mercado.
“Na minha época, para ter um cravo precisava importar, pagar o preço, os impostos e o transporte e era uma coisa proibitiva. Fui convidado para um curso em Boston e lá tinha um ateliê dos mais famosos de construção de cravos. Fui para assuntar e chegando lá me pegaram para trabalhar, porque estavam faltando operários. Fiquei quase um ano. Passei por todas as fases da construção e trouxe aqui para o Brasil. Muita gente queria um cravo, então, fiz uma centena deles. Agora eu parei e estou só tocando”.
Segundo a ABL, em 2017 Roberto de Regina lançou o livro Roberto de Regina – Vida e Obra ou Memórias de um Sargento de Malícias. “O título é duplo intencionalmente para que o leitor possa escolher o que achar melhor”, destacou a ABL.
Roberto de Regina gravou e publicou no YouTube 16 concertos que fazem parte do projeto Johann Sebastian Bach Concertos para cravo solo que apresentou aos domingos. Para o ano que vem está previsto o lançamento do documentário O Cravista, que conta a história do músico e é dirigido por Luiz Eduardo Ozório em uma produção da OZ Filmes.
Projeto
As apresentações do projeto Música no Museu – 200 Anos da Independência do Brasil, que começaram nesta quinta-feira (1º) vão seguir por todo o mês de setembro com programação para outros 20 recitais gratuitos. Além do Rio, haverá concertos em Portugal nos dias 22,26 e 28; e na Áustria no dia 29.
O projeto Música no Museu foi criado em 1997 e se transformou na maior série de música clássica do Brasil. Nos 25 anos de história, já realizou concertos no Brasil que reuniram cerca de 2,5 mil músicos. Nesse período o projeto recebeu um público superior a 1 milhão de pessoas.
Desde de 2006, passou a ser apresentado em outros países levando a música brasileira para Portugal, Espanha, França, Itália, República Tcheca, Áustria, Alemanha, EUA, Chile, Argentina, Marrocos, Índia, Vietnã, Austrália e Líbano.
O diretor do projeto, Sérgio da Costa e Silva, anunciou que Música no Museu foi reconhecido pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro como patrimônio cultural e imaterial da cidade.
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