Acostumada a renascer das cinzas sempre que a esclerose múltipla com a qual convive há quase 30 anos se manifestava, Beth Gomes recebeu o apelido de fênix. Um livro lançado no último sábado (29) em Santos (SP), cidade natal da atleta, porém, mostra que a campeã mundial e paralímpica do lançamento do disco merece mais do que a analogia com uma ave mítica.
“Pela grandeza dela, quis compará-la a uma deusa mitológica. Uma deusa mãe, da sabedoria, da saúde, que tivesse vários atributos. Foi então que achei Atena”, explicou à Agência Brasil a jornalista Luciane Tonon, doutoranda da Universidade de São Paulo (USP) e autora da obra “Beth Gomes – Uma Atena Brasileira”.
O livro é dividido em quatro capítulos. O primeiro relaciona a ligação de Atena e seu pai Zeus com o vínculo entre Beth e suas famílias (tanto a biológica quanto a que cuidou dela após o diagnóstico da esclerose). No segundo, são destacadas as habilidades da campeã, desde antes da deficiência, quando ela jogava vôlei representando a Guarda Municipal de Santos, e como se adaptou à medida que a doença progrediu, primeiro no basquete em cadeira de rodas, competindo na Paralimpíada de Pequim (China), em 2008, depois no atletismo.
Na terceira parte da obra, Luciane faz alusão ao lado materno de Atena ao mostrar Beth como madrinha do projeto Fast Wheels Kids, onde crianças sem deficiência interagem com jovens com algum comprometimento. No último capítulo, a luta da atleta contra a esclerose vem à tona, trazendo apoio às pessoas que convivem com a doença e a transformando na Deusa da saúde e dos conselhos.
“Nunca me imaginei como Deusa, mas como uma pessoa protetora, cuidadora, muito família. Quando eu e a Lu nos identificamos e contei minha história, comecei a perceber o porquê de as pessoas me chamarem de fênix. Às vezes penso: será que existo mesmo? Achei que seria muito gratificante as pessoas saberem um pouco sobre mim”, contou Beth à Agência Brasil.
As últimas linhas foram escritas na Paralimpíada de Tóquio (Japão). A presença nos Jogos, por si só, era uma volta por cima, após Beth ficar fora da edição do Rio de Janeiro em 2016. Na ocasião, a classificação funcional (processo que define a classe do atleta paralímpico, conforme o grau da deficiência) pela qual passou a deixou em uma categoria com atletas de menor comprometimento. Reclassificada no ciclo seguinte para, enfim, encarar competidores do mesmo nível, a santista não apenas foi medalhista de ouro como bateu, duas vezes, o próprio recorde mundial da classe F52 (cadeirantes sem controle de tronco e limitação nos membros superiores).
“A projeção de Tóquio começou no trabalho com minha técnica, Roseane Farias, a quem devo tanto na minha vida, por ter acreditado em mim. Era um sonho buscar essa medalha, tão longe, para que ela estivesse no meu livro. E a Lu esteve lá para contar”, disse Beth.
“Eu faço uma analogia com Ulisses [guerreiro da mitologia grega, retratado no poema Odisseia, de Homero] retornando para Ítaca [ilha da qual Ulisses era rei]. As dificuldades que ele passou, a Beth teve para ir à Tóquio. Misturei o que a Beth estava sentindo com o que eu pude ver. Foi uma emoção atrás da outra. Eu não sabia se chorava ou se sorria. Foi tudo muito como o planejado, no tempo certo”, descreveu Luciane.
Tóquio pode ter sido o ponto final do livro, mas não da carreira de Beth. A santista já iniciou os treinamentos de olho no bicampeonato paralímpico em Paris (França). Se depender delas, a obra sobre a campeã terá continuação.
“Com certeza, continuarei acompanhando. Quem sabe a gente não faz uma segunda edição, acrescentando Paris? A gente vai por isso como meta. É um legado. A biografia da pessoa viva, enquanto ela viver, tem história”, destacou a jornalista.
“Temos que continuar [risos]. Depois de Tóquio, iniciamos o treino de base e só demos uma paradinha no fim do ano. Temos agora que buscar vaga no próximo Mundial [em 2023, também em Paris], disputar os outros campeonatos nacionais, então creio que estamos no caminho certo”, concluiu a campeã do lançamento do disco.
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