O julgamento da tragédia de Brumadinho (MG) nos tribunais alemães deu um novo passo hoje (28) com a realização da primeira audiência. Uma primeira decisão poderá sair em quatro meses, o que dependerá das três juízas responsáveis pelo caso. Até lá, elas analisarão o material e a argumentação apresentada pelas partes.

O processo foi movido por familiares de mortos e pela prefeitura de Brumadinho contra a Tüv Süd, empresa alemã que assinou a declaração de estabilidade da barragem da mineradora Vale que se rompeu em 25 de janeiro de 2019. O documento, que deve ser apresentado duas vezes ao ano aos órgãos de controle, é obrigatório para manter as operações da estrutura. Sem ele, as atividades devem ser paralisadas.

Em setembro de 2019, a Polícia Federal (PF) chegou a indiciar 13 pessoas por uso de documento falso, sendo sete funcionários da Vale e seis da Tüv Süd. As investigações revelaram que a declaração de estabilidade da barragem era fruto de fraude, pois foram desconsiderados os parâmetros normativos. Uma Comissão Parlamentares de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) apontou que os signatários do documento calcularam um fator de segurança incompatível com as boas práticas de engenharia internacional.

Além disso, a denúncia apresentada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), com base em investigações conduzidas em parceria com a Polícia Civil, também concluiu que a declaração de estabilidade era fraudulenta. Foi por meio dessa denúncia que se instaurou o processo criminal em fevereiro do ano passado, no qual são réus 16 pessoas, sendo 11 funcionários da Vale e cinco da Tüv Süd. Para o MPMG, a empresa alemã é corresponsável pela tragédia e, junto com a Vale, assumiu os riscos porque tinha conhecimento da situação crítica da barragem, mas não compartilhou as informações com o Poder Público e com a sociedade.

O processo na Alemanha corre no Tribunal Regional Superior de Munique. Na audiência de hoje (28), as três juízas, que já tinham em mãos documentos das duas partes, puderam fazer perguntas e solicitar mais esclarecimentos. As vítimas são representadas pelo escritório inglês PGMBM, que possui uma parceria com o escritório alemão Manner Spangenberg. Os advogados procuraram apontar a participação da Tüv Süd na tragédia, enquanto a empresa sustentou não ter responsabilidade no episódio.

O prefeito de Brumadinho, Avimar de Melo Barcelos (PV), esteve presente. Do lado de fora do tribunal, uma moradora de Brumadinho realizou um protesto registrado no site da prefeitura do município. Ela apresentou um cartaz em alemão com os dizeres: “A Tüv Süd é responsável pela morte de mais de 270 pessoas. Contaminou o lençol freático, o ar, as florestas e muitos animais. Os pequenos produtores rurais perderam suas sobrevivência”.

Uma nova audiência está programada para 1º de fevereiro de 2022. Segundo a PGMBM, é possível que as juízas na ocasião já anunciem alguma decisão, inclusive com definição de valores indenizatórios. No entanto, elas podem também solicitar mais informações às partes, para que continuem suas análises do caso.

Precedente

O rompimento da barragem causou 270 mortes e produziu impactos ambientais e socioeconômicos em diversas cidades mineiras. Neste processo, parentes de uma vítima e a prefeitura de Brumadinho buscam reparação. No entanto, uma decisão favorável a eles abrirá precedente para outros pleitos similares.

A PGMBM representa ao todo mais de 1,2 mil clientes entre familiares de mortos e sobreviventes. O valor da causa ainda será estimado e deverá cobrir tanto danos morais como materiais. Além da prefeitura de Brumadinho, o município de Mário Campos também é representada pelo escritório inglês e busca indenização pelos prejuízos ambientais e econômicos.

Procurada pela Agência Brasil, a Tüv Süd não quis fazer comentários sobre a audiência. Informou apenas que “neste momento, a empresa não poderá fornecer informações sobre o caso, por conta dos processos legais e oficiais ainda em curso”.

Além de enfrentar um processo na esfera cível, Tüv Süd também foi alvo de uma queixa criminal apresentada na Alemanha em outubro de 2019 por integrantes da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem em Brumadinho (Avabrum). A medida foi apoiada por uma coalizão de entidades nacionais e internacionais, entre elas, a Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, a Associação Comunitária da Jangada, o Centro Europeu para os Direitos Humanos e Constitucionais (ECCHR) e a Misereor, uma organização dos bispos católicos alemães.

Em suas redes sociais, a ECCHR se manifestou sobre a audiência de hoje. “É importante porque as pessoas e o meio ambiente ainda sofrem hoje. Mas a violação da barragem também deve ser esclarecida perante um tribunal criminal”, publicou.

Indenizações

No Brasil, foi fechado em fevereiro deste ano um acordo de reparação dos danos entre a Vale, o governo de Minas Gerais, o MPMG, o MPF e a Defensoria Pública do estado. Foram previstos diversos projetos que demandarão R$ 37,68 bilhões da mineradora: ações de recuperação socioambiental, medidas voltadas para garantir a segurança hídrica, melhorias dos serviços públicos e obras de mobilidade urbana, entre outras iniciativas.

No entanto, as indenizações individuais e trabalhistas que devem ser pagas às vítimas não foram abarcadas neste acordo e são discutidas em negociações específicas. Existem acordos com o Ministério Público do Trabalho (MPT), com a Defensoria Pública de Minas Gerais e também com sindicatos que fixaram parâmetros e procedimentos para pagamento de valores indenizatórios.

Ainda assim, nem todos os problemas são sanados e muitos acabam demandando decisão judicial. Em junho, uma sentença de primeira instância da Justiça do Trabalho condenou a Vale a pagar R$ 1 milhão por danos morais para cada empregado da mineradora que morreu no rompimento da barragem ocorrido na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG). Os valores devem ser destinados aos espólios das vítimas e a seus herdeiros. A decisão, tomada no âmbito de uma ação civil pública pelo Sindicato Metabase Brumadinho, ainda poderá ser revista já que a Vale recorreu.

Algumas vítimas que não foram reconhecidas pela mineradora ou que não concordam com os termos fixados nos acordos já celebrados também têm recorrido aos tribunais. Na semana passada, por exemplo, a Vale foi condenada a pagar R$ 100 mil em indenizações por danos morais a um caminhoneiro que sobreviveu na tragédia. Ele alegou estar realizando tratamento psicológico para superar os traumas e apresentou laudo de estresse grave e transtorno de adaptação.

A Tüv Süd, no entanto, tem ficado de fora de todas as decisões e negociações em torno das indenizações. Em janeiro, a Agência Brasil revelou que a empresa alemã havia reservado 28,5 milhões de euros em provisões para custos de defesa e consultorias judiciais em processos envolvendo a tragédia. Ao mesmo tempo, no seu último balanço financeiro anual que se refere a 2020, não consta nenhuma menção a recursos destinados para contribuir com o processo de reparação.

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