“Estar cansada psicologicamente significa que você sente que não está vivendo a vida, que não é capaz de fazer nada. Mesmo que você seja ambiciosa, você não conseguirá atingir suas ambições porque está completamente derrotada psicologicamente”. É assim que uma adolescente, no Egito, fala sobre saúde mental. Ela não está sozinha. Casos de depressão e falta de interesse são identificados entre adolescentes e jovens em todo o mundo e geram preocupação, sobretudo na pandemia. 

O relato faz parte do relatório Situação Mundial da Infância 2021 – Na minha mente: promovendo, protegendo e cuidando da saúde mental das crianças, lançado hoje (4) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). 

O estudo apresenta uma prévia da pesquisa internacional com crianças e adultos em 21 países conduzida pelo Unicef em parceria com a Gallup que mostra que, em média, um em cada cinco (19%) adolescentes e jovens de 15 a 24 anos, muitas vezes, sente-se deprimido ou tem pouco interesse em fazer as coisas. Para a pesquisa, foram entrevistadas aproximadamente 20 mil pessoas, por telefone, em 21 países. Os resultados completos serão divulgados em novembro. 

No Brasil, um dos países que participou do estudo, essa porcentagem é ainda maior que a média, 22% dos adolescentes e jovens de 15 a 24 anos dizem que, muitas vezes, sentem-se deprimidos ou sem interesse. Isso coloca o país em oitavo lugar no ranking dos 21 países. Camarões aparece em primeiro lugar, com uma porcentagem de 32%. Em último lugar, está o Japão, com 10%. 

“Interessante a gente valorizar as políticas públicas e as instituições que já vinham trabalhando nessa área no Brasil. O país fica em um patamar preocupante, mas não é o pior. Há países que não têm instituições fortalecidas nem políticas públicas com o histórico que tem o Brasil”, ressalta a oficial do Unicef no Brasil na área de Desenvolvimento de Adolescentes, Gabriela Mora. 

Ainda assim, Gabriela defende que é importante fortalecer as políticas já existentes e atentar-se à desigualdade na oferta delas no território nacional. Além disso, é preciso que diversas áreas organizem-se, incluindo assistência social, educação e saúde, para oferecer atendimento e encaminhamento adequado àqueles que precisarem. 

Pandemia

De acordo com o relatório, calcula-se que, globalmente, mais de um em cada sete meninos e meninas com idade entre 10 e 19 anos viva com algum transtorno mental diagnosticado. Quase 46 mil adolescentes morrem por suicídio a cada ano, uma das cinco principais causas de morte nessa faixa etária. 

O cenário já era preocupante antes da pandemia. Segundo os últimos dados disponíveis do Unicef, globalmente, pelo menos uma em cada sete crianças foi diretamente afetada por lockdowns, enquanto mais de 1,6 bilhão de crianças sofreram alguma perda relacionada à educação. 

Segundo o estudo, a ruptura com as rotinas, a educação, a recreação e a preocupação com a renda familiar e com a saúde estão deixando muitos jovens com medo, irritados e preocupados com seu futuro.

“Ainda é um tabu falar de saúde mental. A pandemia nos trouxe a urgência desse tema, de quebrar esse tabu e de falar de forma acolhedora, de fomentar espaços de escuta de crianças e adolescentes”, diz Gabriela, e acrescenta: “Numa sociedade adultocêntrica, tem-se o mau hábito de minimizar o sofrimento de crianças e adolescentes. Quando chegam essas expressões, é importante levar a sério. Quando estão passando por um sofrimento, escutar, reconhecer isso e dar o apoio necessário”.  

Impactos econômicos 

Embora o impacto na vida dos adolescentes e jovens seja incalculável, uma análise da London School of Economics, incluída no relatório, estima que transtornos mentais que levam jovens à incapacidade ou à morte acarretam uma redução de contribuições para a economia de quase US$ 390 bilhões por ano. Isso porque os transtornos mentais diagnosticados – incluindo Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), ansiedade, autismo, transtorno bipolar, transtorno de conduta, depressão, transtornos alimentares, deficiência intelectual e esquizofrenia – podem prejudicar significativamente a saúde, a educação, as conquistas e a capacidade financeira de crianças, adolescentes e jovens no futuro.

Segundo o relatório, faltam ações direcionadas a essas questões. Apenas cerca de 2% dos orçamentos governamentais de saúde são alocados para gastos com saúde mental em todo o mundo.

“É na adolescência que os transtornos costumam se manifestar. É importante fazer o encaminhamento adequado nessa fase da vida e apoiar a pessoa para que faça transição para a fase adulta com segurança e o apoio necessário. Se for o caso, garantir o apoio do serviço de saúde e com isso prevenir e garantir que tenham uma vida adulta mais saudável. Se não houver acolhimento na adolescência, na vida adulta pode haver uma manifestação mais severa”, diz Gabriela Mora. 

O relatório Situação Mundial da Infância 2021 pede que governos e parceiros dos setores público e privado se comprometam, comuniquem e ajam para promover a saúde mental de todas as crianças, todos os adolescentes e cuidadores, proteger os que precisam de ajuda e cuidar dos mais vulneráveis. 

Para isso, é necessário, de acordo com o organismo internacional, investimento urgente em saúde mental de crianças e adolescentes em todos os setores, não apenas na saúde, para apoiar uma abordagem de toda a sociedade para prevenção, promoção e cuidados.

É necessária também a quebra do silêncio em torno da doença mental, abordando o estigma e promovendo uma melhor compreensão da saúde mental e levando a sério as experiências de crianças e jovens. Além disso, a integração e ampliação de intervenções baseadas em evidências nos setores de saúde, educação e proteção social – incluindo programas parentais que promovem cuidados responsivos e de atenção integral e apoiam a saúde mental de pais e cuidadores. 

Em parceria com diversas organizações, o Unicef lançou a plataforma Pode Falar que disponibiliza gratuitamente materiais de apoio e até mesmo um atendimento por chat. O site é voltado para pessoas de 13 a 24 anos. 

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